Após três semanas do início da maior expressão da crise climática brasileira que devastou o Rio Grande do Sul, é crucial enxergar além do óbvio. As cidades brasileiras não estão preparadas para os extremos climáticos que se tornaram a nova realidade. Esta crise não é um fenômeno natural, mas o resultado de uma série de ações humanas que desencadearam a degradação ambiental. Confiamos cegamente na abundância de recursos que são, na verdade, finitos, e impusemos um ritmo industrial à natureza, ignorando os processos evolutivos que nos trouxeram até aqui. Embora todos sintamos os efeitos do caos climático de maneiras diferentes, grande parte do que vivemos é resultado das decisões tomadas por aqueles que detêm o poder. O agravamento da emergência climática no Brasil pode ser visto como parte de um projeto de poder. A classe política, empresários do agronegócio, empresas estatais e privadas, mineradoras, petrolíferas e indústrias de diversos setores compartilham um objetivo comum: o acúmulo de riqueza. Para atingir cifras bilionárias, esses grupos exploram todos os recursos naturais disponíveis. Isso ocorre com o avanço do plantio de monoculturas e da pecuária sobre biomas como o Cerrado, a Floresta Amazônica, o Pampa, a Mata Atlântica e o Pantanal. As mineradoras, por sua vez, causam danos irreversíveis aos ecossistemas. A atividade industrial contribui significativamente para a poluição de corpos d'água, solos e ar, tudo em nome de um progresso que beneficia poucos enquanto a maioria sofre as consequências. Para entender como esse projeto de poder está relacionado à crise climática, é necessário um contexto histórico. Desde a colonização em 1500, houve uma exploração exaustiva dos recursos naturais, passando pelos ciclos econômicos da cana-de-açúcar, café, borracha, cacau, e atualmente soja e outras commodities do agronegócio. A mineração, desde então, tem alterado drasticamente o meio ambiente, como visto nos desastres de Mariana e Brumadinho em Minas Gerais. A classe política brasileira, independentemente de suas divergências, muitas vezes demonstra um profundo desprezo pelo meio ambiente. Nos últimos seis anos, o governo federal e o Congresso Nacional têm tomado medidas que enfraqueceram a proteção ambiental, resultando em recordes de desmatamento e aumento das emissões de gases de efeito estufa. Segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), as ações governamentais das últimas três décadas foram determinantes para a atual emergência climática. O sul do Brasil, em particular, tem sofrido com o aumento do volume de chuvas, que cresceu 30% nas últimas três décadas, enquanto outras regiões enfrentam aumentos de temperatura acima do normal. Apesar dos alertas científicos, a política ambiental brasileira tem caminhado na contramão da proteção ambiental garantida pela Constituição de 1988. Nos últimos anos, 25 projetos de lei e 3 propostas de emenda à Constituição foram apresentados para alterar a legislação ambiental, impulsionados por parlamentares ligados às bancadas do agronegócio, armamentista e religiosa. Esse movimento conservador, travestido de valores tradicionais, está dilapidando o patrimônio genético do Brasil e acelerando a crise climática. A degradação ambiental e as crises socioambientais resultantes não são meros efeitos colaterais, mas consequências diretas de um projeto de poder que sustenta a desigualdade socioambiental no país há mais de 500 anos.